Inflação recorde de cacau e café desafia operação da Nestlé Brasil
A disparada inédita dos preços de cacau e café colocou a Nestlé Brasil diante de um dos maiores desafios de sua história recente: crescer em faturamento sem perder volume de vendas, mantendo a eficiência das fábricas em meio a custos explosivos. O alerta foi dado por Marcelo Melchior, presidente da companhia, em entrevista ao podcast De Frente com o CEO, da Exame.
A inflação das matérias-primas atingiu níveis sem precedentes. “Tivemos uma inflação muito elevada, principalmente em cacau e café. Nunca tínhamos visto algo assim”, afirmou Melchior. Apesar de registrar crescimento de dois dígitos em receita em 2024, a operação brasileira sofreu retração nos volumes vendidos em 2025, o que ameaça a eficiência industrial.
Na prática, vender menos significa mais do que perder participação de mercado: fábricas ociosas elevam o custo unitário, reduzem competitividade e comprimem margens em um setor altamente disputado.
Cerca de 70% do cacau utilizado pela Nestlé no Brasil vem de lavouras nacionais; os outros 30% são importados da Costa do Marfim e de Gana. Com a alta global, a empresa intensificou projetos para fortalecer a produção local e aumentar a produtividade.
No café, a estratégia está mais avançada. Todo o insumo comprado pela Nestlé no país é certificado e faz parte do Coffee Plan, programa global que garante rastreabilidade, qualidade e sustentabilidade da cadeia.
A pressão inflacionária é ainda mais crítica em categorias de baixo tíquete médio, como achocolatados, biscoitos e leite condensado, vendidos entre R$ 5 e R$ 15. São produtos presentes em 99% dos lares brasileiros e sujeitos a decisões de compra quase diárias. “Se eu falhar hoje com você, amanhã você já não compra mais”, disse o executivo, reforçando a necessidade de consistência em qualidade, abastecimento e preço.
Com 103 anos de atuação, a Nestlé Brasil é hoje a terceira maior operação da multinacional, atrás apenas de Estados Unidos e China. Exportações representam menos de 10% do faturamento, o que protege a operação de impactos externos, como medidas protecionistas recentes nos EUA. “Nossas fábricas são desenhadas para atender o mercado local”, destacou Melchior.
A estratégia de inovação da companhia parte da manutenção de ícones como Leite Moça, Ninho, cafés e chocolates. Paralelamente, a Nestlé vem reduzindo gradualmente açúcar e sódio, adicionando vitaminas e adotando embalagens mais sustentáveis. Todos os lançamentos passam pelo teste “60-40”: ao menos 60% dos consumidores, em prova cega, devem preferir o produto em relação à concorrência.
Nos últimos anos, a Nestlé ampliou presença com aquisições estratégicas, como Garoto, Pura Vida e Grupo CRM (Kopenhagen, Brasil Cacau e Kop Koffee). Para Melchior, no entanto, fusões e aquisições não são a estratégia principal, mas sim aceleradores de planos já existentes.
A disparada dos preços tem origem em fatores climáticos e estruturais. No café, o fenômeno El Niño no Sudeste Asiático e temperaturas acima da média no Brasil reduziram oferta e qualidade. Já o cacau sofre com a concentração da produção na África Ocidental e baixa tecnificação agrícola, o que torna a cultura vulnerável a choques climáticos.
Globalmente, a Nestlé registrou crescimento de volume de 0,8% em 2024, mas com margens mais apertadas. No Brasil, o tom é mais otimista: “Nesse ano devemos crescer em duplo dígito”, projeta Melchior.
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