Área verde da 136 deve abrigar mercado
Ministério Público já apura o fato e associação de moradores planeja protesto para esta sexta-feira; especialistas estimam 40 anos para recuperar a quantidade de árvores retiradas
A área de 5 mil metros quadrados onde foram derrubadas 86 árvores – um terreno que pertencia à União e que abriga nascentes nos cruzamentos das Avenidas 136 com as ruas 132 e 148, no Setor Sul, em Goiânia – pode abrigar um supermercado. A informação consta no documento de uso de solo – obtido com exclusividade pelo Jornal Opção – emitido pela Prefeitura de Goiânia há quase um ano, em 27 de fevereiro de 2022, a pedido da empresa IS Real Estate com parecer favorável à construção no local de um “comércio varejista de mercadorias em geral, com predominância de produtos alimentícios – supermercado”.
De acordo com o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), a empresa em questão está no nome de Igor Mendonça Sebba, filho de César Sebba, que já foi presidente do Jóquei Clube de Goiás e presidente da Agência Goiana de Esporte e Lazer (AGEL), e sobrinho do ex-deputado estadual e delegado Abdul Sebba.
Igor Sebba afirmou que ainda não definiu exatamente o que vai construir no local. Mas, segundo ele, “vai ser uma construção horizontal, de um pavimento só, que vai funcionar como comércio e conveniência. Pode ser um mercado ou um empório”, antecipou. O empresário disse ainda que agora que o projeto vai começar a ser feito e só deve ficar pronto em cerca de seis meses, quando vai para aprovação da Prefeitura, o que deve demorar mais quatro meses. Fazendo as contas, se tudo der certo, até o fim do ano, portanto, as obras devem começar a sair do papel.
Apesar da ação de retirada das árvores ter sido feita com autorização da Agência Municipal de Meio Ambiente de Goiânia (Amma), com previsão de compensação ambiental com a doação de mais de 3 mil mudas de árvores nativas do Cerrado para a Prefeitura, a derrubada das árvores preocupa especialistas e moradores da região. Em nota, o Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) informou que já apura o fato. A Associação Pró-Setor Sul planeja para esta sexta-feira, 24, um protesto pra demonstrar a preocupação com as consequências do feito já que a área verde também abriga nascentes.
No total, 15 espécies estavam entre as 89 árvores derrubadas, como mangueiras (22), mongubas (10), ipês (5), angicos (4), mognos (7) e pinus (1). “Agora vai demorar 40 anos para ter a mesma formação novamente”, lamentou a assessora de relações institucionais do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Goiás (CAU/GO), Maria Ester de Souza. Dessas, cabe destacar que o mogno tem uma legislação federal específica que proíbe sua retirada, o decreto 6.472/2008.
De acordo com a assessora do CAU/GO, em 2007, no plano diretor de Goiânia, a área em questão constava como uma área de nascentes. O superintendente de Gestão Ambiental e Licenciamento da Amma, Ormando Pires, confirma que existe uma nascente nas proximidades do terreno – a do Córrego dos Buritis, mas ele afirma que os 100 metros que a circundam permanecem preservados. “À Amma, cabe cobrar o que a lei determina, que não proíbe que se retire árvores, mas cobra compensação”, disse. O empresário Igor Sebba reforçou que a nascente fica a 350 metros de seu terreno, tendo, inclusive construções entre a área de onde foram retirada as árvores e o curso do córrego.
Para Ormando, qualquer empreendimento vai gerar algum impacto e o papel da Agência Municipal de Meio Ambiente é minimizá-los. “A gente entende e valoriza muito a preocupação dos moradores. A Amma disponibiliza o disque-árvore, que identifica a melhor espécie, leva e deixa a muda plantada na casa do cidadão”, explicou. Além disso, o superintendente informou que, caso seja do interesse da associação de moradores, pode deixar a van do disque-árvore por um dia no bairro distribuindo essas mudas.
Igor Sebba destacou que as árvores que existiam ali eram todas plantadas, não se tratando, portanto, de uma vegetação nativa. “Lá tinha um campo de futebol e as árvores serviam de sombra para os carros de quem jogava bola ali. Muitas delas foram podadas só de um lado ao longo do tempo e estavam condenadas, corriam o risco de cair”, declarou. O empresário disse que agiu conforme a lei. “Estamos agindo com toda cautela e correção. O que a gente tá fazendo ali é pra beneficiar a região, gerar empregos, arrecadar impostos. É uma construção sustentável, que não vai ter o impacto ambiental que está sendo alardeado”, garantiu.
A área foi leiloada pelo governo federal no ano passado na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro. Sem as árvores, a maior preocupação dos especialistas e moradores são com as enchentes que já são recorrentes na cidade e tendem a piorar com a impermeabilização do solo.